quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha."*

Por Gilberto Vieira dos Santos - CIMI MT

"Ao governo, às organizações não governamentais e outros interesses estranhos exigimos que parem de assediar e inculcar nos nossos povos e comunidades ilusões e propósitos relacionados com o mercado de carbono que podem comprometer a sua integridade sociocultural, respeitando o nosso ritmo e a criação de condições para o entendimento desta e outras questões emergentes, em prol da preservação dos nossos territórios e suas riquezas, mas principalmente da nossa vida."
O alerta acima encontra-se na conclusão da nota divulgada recentemente pela APIB, articulação que reúne as principais organizações indígenas do país.
Algum desavisado poderá pensar: mas por que os indígenas resolveram divulgar tal nota? O que os teria motivado?
Certamente, a leitura atenta poderá dar mais que pistas do que vem ocorrendo em várias regiões do país e que, pela gravidade, não passou despercebido pelas organizações indígenas. Organizações não governamentais, aparentemente sérias, iludidas ou de má fé tem procurado comunidades indígenas para que estas ingressem no pomposo mercado para vender cráditos de carbono. A palavra mercado já dá outra pista do que se trata: vender algo para ganhar dinheiro sobre esta venda. O que chama a atenção é o produto, que não é nada menos do que o potencial das florestas presentes nas terras indígenas de absorver carbono. Loucura, idéia estranha? Pode parecer, mas esta 'idéia' tem crescido e já alimenta o mercado financeiro e suas especulações.
A conta que deverá dar nó na cabeça de qualquer um dos "não preparados" para entender esta lógica, calculará este potencial e esta capacidade será vendida para alguma empresa para que esta abata em suas emissões de gás carbônico que a floresta em questão absorever. Debito, menos crédito de carbono e estaria zerada a conta para que a empresa poluidora na China, na Alemanha em outro lugar qulquer da Europa ou em outro rincão poluente ficar tranquila.
Infelizmente, o meio ambiente não reconhece esta conta e os problemas que tem acentuado cada vez mais o efeito estufa e as mudanças climáticas continuarão a ocorrer: emissão irresponsável de gás carbônico e outros gases que nenhuma floresta absorverá. "Nem pagando"!
Argumentos de que nos tais pagamentos de serviços ambientais estariam a solução para o desmatamento na Amazônia parecem no mínimo anacrônicos, já que, por esta via, se quer resolver os problemas causados pelo capital com soluções capitalistas. É como uma mãe que querendo educar seu filho lhe diz: filho, se você comer mamãe lhe dará um dinheirinho. se você tomar banho, de pago cinco reais. Ou seja, capitaliza-se as relações sem por em questão o consumismo e produção dos 'bens de consumo' que tem gerado os principais problemas ambientais.
Marx deverá estar se revirando no túmulo ao ver até que ponto chegou o capitalismo: compra e venda do 'ar'.
Então, para poder assegurar a preservação das florestas (por enquanto estas, depois o cerrado, o pantanal, a soja, o eucalípto nos REDD++), se paga ao destruidor-poluidor para que ele fique bonzinho e não desmate ou polua mais. Não sei se falta formação sobre o processo de constituição de nossa sociedade ou há inocência (??) nesta visão. Será que Leo Huberman, Marx, Engel, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes estavam neuróticos?
Por outro lado, para além de qualquer argumento, alguns e com certeza para as grandes empresas e especuladores, esta forma de "preservação" é a nova mina vultuosa, o novo 'eldorado'. Quanto vale hoje hoje estes créditos? Quanto se negocia nas bolsas de valores pelo mundo afora?
Para uma idéia, em abril se apontava para uma perspectiva de que em 2010 a venda de créditos geraria mais de US$ 170 milhões (cento e setenta milhões de dólares). Em cotação de hoje, para se ter uma idéia, isso seria mais de 292 milhões de reais. Em 2009 se negociou mais de 120 milhões de dólares e estima-se para 2020 que este mercado movimente mais de US$ 3 trilhões (três trilhões de dólares) no mundo, sendo que no Brasil se movimentaria US$ 6 bilhões (seis bilhões de dólares). Em outras palavras, é uma especulação extremamente rentosa.
E como se dá a inserção dos povos indígenas nesta história?
Simples, as terras indígenas são as mais preservadas e onde as florestas (e claro, o serrado ou outros bioma) são mais preservados. É só ver, por exemplo, como está a situação de Mato Grosso e Pará onde as terras indígenas são verdadeiras ilhas cercadas pelo desmatamento para os monocultivos de soja, algodão e outros comodittes. Não por outro motivo os olhos dos interessados nesta 'mina' se voltam para os povos indígenas, ou melhor, para suas terras.
Além dos riscos que este processo trás, como ficarão os já reduzidos territórios indígenas já que a área escolhida para contar como potencial para se receber os tais créditos não poderá ser alterada? Como ficarão as comunidades que quizerem fazer suas roças, retirar madeiras para suas casas ou outros usos tradicionais? Passarão a comprar madeira, telhas, tijolos ou alimentos nas cidades e continuarão a se abrir aos malefícios já comprovados em recente pesquisa sobre a alimentação nas aldeias? Passarão a comer no lugar dos produtos saudáveis de suas roças a batatinha, tomate ou a carne bovina? Trocarão suas caças pelo frango da Sadia ou Perdigão? Trocarão seus bejus pelas deliciosas bolachas recheadas com gostos imitação de mandioca? Trocarão definitivamente sua chicha ou cauim pelo venenos gasoso da Coca Cola ou outras bombas de açucar?
Ainda ficam as perguntas: Quem fará o complicado cálculo para se saber quanto aquela mata absorve o tal carbono? Quem fará a assessoria aos povos indígenas? Por quanto tempo? Quanto receberá por isso? Quem de fato ganha com este mercado?
Questões como esta podem ter passado pela cabeça dos que compõe as organizações indígenas da APIB.
Se ainda hoje mais de oitenta grupos indígenas sobrevivem no Brasil recusando os facões e panelas oferecidos pelas anteriores frentes de contato - pois certamente sabem que estarão mais felizes sem a sociedade não-indígena - outros povos indígenas se negam a aceitar os pinduricalhos que vem anexados às novas tentaivas de colonialismo verde e a mercantilização do que não tem valor de mercado.
O que se espera é que o etnocentrismo e o centralismo eumesmado de algumas pessoas e organizações não lhes tampe os ouvidos aos apelos daqules que, antes de ser preservadores da natureza, se entendem como parte dela.
Com as organizações da APIB dizemos: 'Portanto recusamos o olhar mercantilista com que mais uma vez agentes externos, nacionais ou internacionais, se aproximam de nossos territórios e povos, incentivando-os a se envolver em potenciais negócios milionários, sem antes entender a complexidade das mudanças climáticas, além de seus efeitos ou impactos, considerando a história e o contexto da atual crise, que não é só climática, mas também econômica, energética, ambiental, social e de valores.'

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